O edifício popularmente denominado como Torre de Relógio é uma construção nunca concluída, tendo vindo a ser construído por impulsos de financiamento da população. Ao longo dos anos a construção de paredes e arcos vigiados pela torre (elemento mais alto de toda a aldeia) terá sido muita coisa, entre as quais, local de enterramentos no séc XIX em virtude de uma crise de peste que se abateu por aquelas terras alentejanas. O projecto proposto foi a conclusão do edifício, nomeadamente, a realização da sua cobertura, criando, no seu interior, um espaço polivalente que pudesse albergar programas de carácter religioso, cultural ou eventos das mais diversas índoles como já sucedia até entrar em obra.


Uma das questões que nos pareceu mais interessante foi perpetuar no tempo a imagem destes impulsos populares que ao longo dos anos foram fazendo crescer o edifício, manifestados nas diferentes técnicas de emparelhamento das pedras e concepção de arcos e vãos. Nessa medida optámos por manter as texturas e todos os seus relevos sem rebocos dando apenas uma pintura de branco que serve de ponto comum no seu interior e que mitiga os locais em que temos de refazer os agregados de diferentes épocas que consolidam as pedras.


Na fase de projecto pareceu-nos óbvio que a própria torre devia ser contaminada dessa pintura para poder, no seu exterior, realçar o emparelhamento das robustas paredes e o novo material da cobertura - aço corten. Para a maioria da população não.

Assim que a torre começou a ser pintada de branco começaram a chegar-nos notas de revolta. A nossa primeira reacção foi tentar explicar que o projecto havia sido aprovado com aquela pintura (e sem objecções de qualquer entidade) e que as pessoas ainda não estavam a perceber a relação com o novo material introduzido. Mas, passado uns dias, decidimos montar um processo de consulta popular. Produzimos quatro soluções e fomos para a rua.

O resultado não foi de sentido único, mas a manutenção das cores anteriores - Amarelo Alentejo e Vermelho Málaga - obteve um pouco mais de 50% dos votos. A proposta de pintura de branco ficou com um terço dos votos, sobretudo, da população mais jovem. A discussão foi radicalizada como é próprio de terras quentes, mas todos queriam participar e sentir que estavam a decidir sobre o edifício mais importante da aldeia. Inclusivamente os trabalhadores da obra exigiram participar.
O que fazer? Discutimos muito internamente.

A prática de arquitectura é um acto de produção de espaço - urbano ou não, público o privado, pelo que se constrói ou pelo que resulta fora do que é construído - que tem sempre uma componente com impacto público. Essa prática estabelece conflitos e mediações, e compete aos arquitectos escolher caminhos de forma consciente. A pintura talvez fosse mais importante para as pessoas que hoje habitam a Amareleja, do que para nós.

O nosso entendimento, depois da consulta, é que há, de facto, um imaginário popular de relação com as cores da torre. Apesar do novo edifício ir construir uma nova realidade, as cores são um elemento fundamental da memória colectiva que deverá ser tido em conta como as características do terreno, a envolvente urbanística ou as condicionantes topográficas. Nessa medida, apesar de nos permitirmos algumas correcções no esquema de cores da torre, entendemos que a memória colectiva da cor é um dado que deve ser tido como uma condição do projecto. É justo que se diga que a nossa decisão podia ter sido outra e, verdade seja dita, o executivo da Câmara Municipal de Moura - tanto o anterior como o actual - sempre nos deu total liberdade para decidir.

Partilhamos esta história porque nos parece ser importante discuti-la, também, do ponto de vista disciplinar.