Livro Pedrógrão Grande | O Direito à Arquitetura Pós-Incêndio
Tendo em conta as tragédias dos incêndios deste ano, recuperamos uma compilação de textos de vários autores do livro Pedrógão Grande. O Direito à Arquitetura Pós-Incêndio, publicado em 2022 pela Livraria Tigre de Papel - autoria do Ateliermob com a cooperativa Trabalhar com os 99%.
O livro aborda a reconstrução das áreas afetadas pelos devastadores incêndios de 2017 em Pedrógão Grande, através de uma perspetiva arquitetónica e urbanística. O tema central desta obra prende-se com o direito à arquitetura, que deve ser tido como parte fundamental do processo de recuperação, sublinhando a importância de soluções habitacionais que respeitem a identidade local e as necessidades das comunidades afetadas. A obra explora o papel da arquitetura na criação de ambientes resilientes e seguros, considerando o equilíbrio entre memória coletiva, sustentabilidade e prevenção de desastres futuros.
O 4º capítulo do livro é dedicado a uma série de reflexões onde podemos encontrar um 'Ensaio metodológico para lidar com futuras catástrofes'. Fica aqui uma reflexão retirada das páginas do livro, onde é possível pensar na solidariedade entre as pessoas que partilharam a tragédia, face a ausência de políticas públicas no enfrentamento destes episódios catastróficos:
"Quando o incêndio ainda lavrava, constituíram-se sistemas de pequenas respostas de carácter comunitário. Uns para combater o fogo, outros para cuidar de quem o combatia, outros para organizar refeições, outros para alojamento temporário das vítimas. Uns dias mais tarde, considerando os números de casas atingidas, constatava-se que eram poucas as pessoas que haviam recorrido aos apoios públicos para alojamento temporário pois, entre redes familiares e de vizinhança, foram-se resolvendo os problemas de habitação. Ou seja, de uma forma rápida e auto-organizada, as comunidades responderam criando uma resposta de cuidados básicos para enfrentar a emergência. Uma resposta social espontânea, informal e robusta. Nunca se pensou nestas redes e nestas comunidades enquanto parte do processo de recuperação dos territórios e da sua sustentabilidade no tempo.
Assim que se começou a construir uma resposta institucional, a tecnocracia foi recuperando o seu poder e autoridade sobre os territórios. As leis e os critérios a que todos se deveriam submeter foram construídos entre gabinetes ministeriais e dirigentes regionais de nomeação central. Nunca houve momentos de ponderação democrática das decisões e, muito menos o esforço de adaptação do que se produzia, de cima para baixo, à realidade daqueles territórios.
Mesmo as promessas políticas que eram feitas no calor dos acontecimentos foram sendo ignoradas até se dissolverem na espuma dos dias." (Ateliermob, TC99%, 2022-172)