2024 - 2025
Depois de um ano cheio, este final de 2024 e início de 2025 estão a ser vividos com muita intensidade e várias entregas. A dinâmica de trabalho em atelier não impediu que tenhamos vivido com particular atenção o que se passa à nossa volta, designadamente, três mortes ocorridas no final de 2024: Carlos Pina, Odair Moniz e Pedro Sobral.
Com histórias diferentes, estas três mortes obrigam-nos a refletir de uma forma mais profunda sobre os temas urbanos que lhes estão associados e que não são alheios às práticas profissionais do ateliermob e da Trabalhar com os 99%. Desde a vida dos bairros, à vida nas ruas de Lisboa, e de outras cidades do país. Acresce que também vimos várias imagens e notícias sobre uma alegada resposta, que coloca em risco todas as pessoas e instituições que trabalham nos territórios. E, sobretudo, que não representa uma solução, nem imediata, nem estrutural.
Não é de somenos que, ao longo dos últimos dias, várias pessoas e organizações de carácter local com trabalho reconhecido a nível nacional e europeu, tenham vindo a público dar conta do seu desconforto perante as respostas que o Estado central anuncia para os problemas. Nós associamo-nos a esse mal estar (1).
Muitos dos territórios de que agora se volta a tratar como "problemáticos", são sítios onde trabalhamos. Neles verificamos um progressivo desinvestimento do Estado (2), tantas vezes estrangulando financeiramente as organizações que ali trabalham com cortes ou atrasos nos pagamentos, ao mesmo tempo a que se assiste a grandes e mediáticas operações policiais com resultados pífios e que intranquilizam as pessoas e entidades que vivem e trabalham nestes locais.
Por outro lado, as notícias de mais um ciclista morto nas ruas de Lisboa numa avenida para onde foi sendo adiada a construção de uma ciclovia, recorda-nos quão distante estamos de outras cidades europeias e de uma mobilidade suave e segura para todas as pessoas. São inúmeros os projectos de melhoria de acessibilidades pedonal ou de ciclovias, alguns aqui desenhados, cujas obras têm vindo a ser adiadas direcionando investimento para outros sectores. O município de Lisboa tem, nos seus quadros técnicos e em projectos aprovados, um vasto conhecimento sobre estas matérias e tarda em dar-lhes a centralidade que merecem.
A empatia e o cuidar das pessoas e do que nos é comum, deve ser reivindicado como central nas operações urbanísticas dentro das cidades. Isso faz-se a partir das comunidades, com o inevitável fortalecimento das suas organizações locais e com o Estado a colocar os seus meios ao dispor destes processos. Todos os que, de facto, quiserem combater a pobreza, a estigmatização e os diferentes ódios, terão de perceber que o caminho se faz a partir de construção de redes de cooperação e colaboração, que não podem viver submersas em candidaturas, concursos, deliverables ou WP.
No ano de 2025 o ateliermob cumprirá vinte anos de atividade regular. A nossa prática profissional tem vindo a ser cada vez mais reconhecida do ponto de vista internacional e, para o primeiro semestre do próximo ano, já temos novos desafios que nos levarão a diferentes continentes. No entanto, a nossa atividade disciplinar nunca deixará de estar fortemente enraizada nos bairros e nos lugares por onde vamos passando e trabalhando. É na empatia e no cuidar que fundamentamos uma parte significativa das nossas práticas e dos nossos sonhos. É aí que estamos e é por aí que continuaremos a andar.
Agradecemos a todas as pessoas que têm partilhado este caminho connosco e desejamos fazer parte da construção de condições para que toda a gente possa ter uma vida mais próxima do que deseja.
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(1) Veja-se, por exemplo, o comunicado da nossa parceira e cooperativa-irmã Largo Residências com quem temos vindo a trilhar caminhos em Arroios, freguesia onde se inscreve uma parte da Rua do Benformoso.
(2) Veja-se, por exemplo, o cancelamento da 2ª Edição do Programa Bairros Saudáveis que, com um investimento de apenas 10 milhões de euros, chegou a milhares de pessoas e organizações com uma taxa média de execução física de 95,7%.
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Imagem do vídeo-ensaio "A Casa: Uma Revolução Assim..." que pode ser visto aqui.